Ações de despejo são criticadas em audiência pública na CLDF

Foto: Eurico Eduardo/ Agência CLDF

O plenário da CLDF foi palco de manifestações acaloradas contra ações de desocupação que vêm sendo realizadas pelo governo distrital. A audiência pública “Por um Distrito Federal Sem Despejo”, realizada nesta terça-feira (22), foi presidida pelo deputado Fábio Félix (PSOL) e reuniu representantes movimentos sociais pró-moradia, membros do GDF e da Defensoria Pública para discutir o tema.


Durante a audiência, representantes de diversos movimentos de ocupação usaram a tribuna para denunciar violações a direitos humanos que estariam sendo cometidas em ações de desocupação nos últimos anos.

A líder da ocupação do bairro Noroeste, Joelma, relatou a derrubada de 22 barracos ocorrida em julho. Segundo ela, a comunidade reside no local há 23 anos e vive do trabalho de reciclagem. Após a ação de desocupação, as 122 famílias que residiam na área teriam ficado impossibilitadas de trabalhar. “Falta de respeito imensa com o ser humano”, declarou Joelma. Não somos ladrões, somos trabalhadores[…] estamos limpando o lixo que as pessoas jogam na rua”, desabafou.


Fábio Félix criticou a ação do Governo do DF, alegando também que há “falta de uma política de reciclagem” aos moradores de baixa renda.


Distritais questionam tratamento desigual


Félix questionou a diretriz política do DF com relação à ocupação de áreas de proteção ambiental. Segundo ele, o GDF tem utilizado o argumento da defesa do meio ambiente para retirar famílias de baixa renda em determinadas localidades, mas tem permitido que empreendimentos de alto padrão sejam construído nessas áreas.


“A questão da ocupação e da distribuição fundiária no DF é absolutamente desigual. Além disso, hoje temos um déficit habitacional de mais de 125 mil moradias, ao mesmo tempo que temos mais de 148 mil imóveis desocupados na cidade”, destacou o distrital.

Ramona Potiguara, líder da ocupação Mercado Sul Vive, em Taguatinga, defendeu a ocupação de moradias como um direito básico para se fazer cultura e para a preservação ambiental. “Onde tem mais ocupação, tem mais preservação ambiental, mais acesso à cultura. As ocupações são de suma importância para a existência e resistência do povo pobre dessa cidade”, declarou.

Participantes criticam ações de grileiros


Moradores de áreas ocupadas destacaram que não querem receber do poder público o mesmo tratamento dado aos grileiros, que são agentes particulares que invadem áreas públicas para fracioná-las em lotes e revendê-los ilegalmente.


O advogado Marcos, representante de moradores de uma área na Ponte Alta do Gama, destacou que a região é ocupada por muitos “compradores de boa-fé”, que chegaram na região há décadas após comprarem de grileiros lotes sem a ciência da irregularidade, e que hoje estariam sob risco de desocupação.


Marco Baratto, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), alegou que ao invés de ser combatida pelo poder público, “a grilagem de terras está sendo premiada”. Ele afirmou que a alteração da Lei nº 5.803/2017, que trata de regularização de terras, modificou ao marco temporal tirando o benefício das famílias que ocupavam áreas urbanas e rurais e, segundo ele, possibilitou a grilagem de terras em todo o DF.


Ações de derrubada sem aviso prévio


Juliana Corrêa, que morava na expansão Vila do Boa, em São Sebastião, narrou o que classificou como “uma ação de terrorismo psicológico”, referindo-se à derrubada de casas em junho deste ano.


Ela contou que 36 famílias tiveram suas casas derrubadas de forma violenta. “A ação do DF Legal foi totalmente cruel, a gente teve nossa moradia derrubada e nossos direitos fundamentais violados. Fomos despejados sem qualquer tipo de assistência prévia. O único tipo de assistência que recebemos foi um cadastramento após a derrubada”, afirmou.


Ela cobrou alguma ação da Defensoria Pública, afirmando que, dentre as 37 pessoas desabrigadas sem aviso prévio, há 24 crianças, 10 adolescentes, 2 idosos e uma pessoa com deficiência.

O representante da Secretaria de Segurança Pública, Alexandre Patury, afirmou que erros de abordagem acontecem, mas que “as forças de segurança não têm compromisso com o erro”. Ele justificou ainda que, independentemente de vontades, “a polícia está lá para cumprir uma decisão judicial”.

A defensora pública Juliana Braga, que atua no Núcleo de Promoção dos Direitos Humanos, classificou como “violações de direitos humanos” o quem vem ocorrendo nas desocupações no DF. Ela afirmou que, apenas em 2023, o núcleo já atendeu 17 comunidades vitimadas por ações demolitórias e que muitas não tiveram seus direitos minimamente resguardados.


Juliana comentou sobre o conceito de “direito à cidade”, que deveria estar sendo resguardado pelo poder público, mas que não estaria sendo oferecido à população de baixa renda. “O Estado não pode compactuar com ilegalidades. Da mesma forma que não pode compactuar com o parcelamento irregular do solo e com a ação de grileiros. Do mesmo modo que a lei é rígida com a ocupação irregular de áreas públicas, também temos leis que garantem um processo de remoção digno”, destacou.


Ao final da audiência, Fábio Félix afirmou que produzirá um dossiê com documentos, depoimentos e imagens das ações de desocupação para levar à Corte Interamericana de Direitos Humanos como forma de cobrar medidas urgentes do governo do DF com relação ás ações de desocupação.

Reprodução: Christopher Gama/ Agência CLDF