O continente africano e a crise do coronavírus

Em tempos de coronavírus o bombardeio com informações sobre contágio, mortes e medidas para combate à proliferação da doença são constantes. Desde de o início da crise em território chinês, mesmo que de forma menos intensa, vem sendo divulgado pela imprensa tradicional de forma sistemática dados sobre a doença e seus impactos.

No último mês, países Europeus, em especial Itália e Espanha, além de Estados Unidos passaram a ser o foco da disseminação da doença e da cobertura midiática. É muito comum que pessoas saibam quantas pessoas morreram em algum desses locais e desconheçam os dados da cidade onde vivem. Opções e realidades provenientes da visão eurocêntrica, é claro.

Atualmente já há diagnósticos da doença em todos os continentes, exceto a Antártida, e nessa lógica, os países Africanos estão, mais uma vez, deixados de lado. Como grande parte das pessoas enxergam aquele continente como uma grande massa amorfa de pretos em situação de miséria e atraso, pouca ou nenhuma informação sobre as infecções naquela região são divulgadas.

No dia 27 de março, foram registradas as primeiras mortes na África do Sul e até ontem (30), os países do continente africano somam 4.718 casos e 152 mortes confirmadas, a cobertura e atualização sobre os dados deixa muito a desejar em relação ao que se noticia sobre o que ocorre na europa. 

Alguns países como Angola, Senegal, Mauritânia, Argélia, Líbia e também África do Sul e Egito fecharam suas fronteiras para a Europa e estão promovendo medidas de quarentena para turistas daquele continente que estejam em seus territórios. Apesar de a população Africana contar com apenas 5% de pessoas com mais de 65 anos, grupo considerado de maior risco, grande parte das nações do continente têm problemas sérios de saneamento básico, especialmente nas regiões periféricas, fato que pode contribuir para ampliação rápida do número de contaminações por corona.

Há preocupação crescente no continente também em relação à subsistência de grandes grupos de trabalhadores que, assim como no Brasil, estão no trabalho informal, modalidade que fica prejudicada por restrições de locomoção e medidas como quarentenas. O primeiro ministro da Etiópia, antevendo o caos econômico que a crise da doença pode gerar no continente, formalizou ao G-20 pedido de alívio na cobrança das dívidas externas dos países africanos neste momento de pandemia.

Após passar por epidemias como a do ebola, meningite, malária e tuberculose alguns países estão ambientados com o controle de crises de saúde pública, entretanto, necessitarão de apoio financeiro e suportes de outra natureza, assim como grande parte das nações, mesmo quando consideradas desenvolvidas, que hoje tem um número elevado de casos.

A estabilidade social e econômica dos países Africanos ainda é extremamente frágil, muito em razão dos séculos de escravização e colonialismo promovidos pelas antigas e atuais “potências globais”, fato que gera necessidade de atenção maior e mais cuidadosa neste momento de pandemia. Precisamos superar a lógica do racismo estrutural que desumaniza as vidas pretas!

Apesar de nem Tedros Adhanom, cidadão Etíope e presidente da Organização Mundial da Saúde, dar a centralidade que a África precisa neste momento, precisamos alertar autoridades e a população global.

Há uma palavra de ordem do movimento negro que infelizmente ainda precisa ser dita e também cabe perfeitamente nesse momento: Vidas negras importam!

 

Imagem de destaque: Lalo de Almeida / Folha de São Paulo